PARA
O BOM ENTENDEDOR POUCAS PALAVRAS BASTAM.
CONCORDO
TOTALMENTE COM A ENTREVISTA E ASSINO EMBAIXO.
POR MARINA DIAS/ Terra magazine 22.10.2012
Um dia após ter sido condenado por
corrupção ativa pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em 10 de outubro, o
ex-presidente do PT José Genoino encontrou-se com o ex-ministro da Casa Civil
José Dirceu. Após um abraço emocionado, ouviu daquele que chama de "companheiro
de luta":
- Esse é o nosso destino. Nosso destino
é lutar.
Horas antes do encontro, Genoino havia
telefonado para a presidente Dilma Rousseff e comunicado sua decisão de deixar
o cargo de assessor especial do Ministério da Defesa:
- Como é que eu assino uma demissão
sua, Genoino? Como? – perguntou Dilma.
- Retiro-me do governo com a
consciência dos inocentes – respondeu o ex-presidente do PT.
José Genoino Guimarães Neto tem 66
anos. É casado, pai de três filhos e avô de dois netos. Nascido em
Quixeramobim, no Ceará, participou da Guerrilha do Araguaia, na década de 1970,
quando foi preso por cinco anos e torturado. Em entrevista exclusiva a Terra Magazine, o petista diz que consegue traçar
paralelos daquele período com o processo que vive hoje.
"Tenho pesadelos e nunca falei
isso para ninguém. Há um mês, gritei e estrebuchei na cama. Minha mulher ficou
preocupada. Misturo cenas daquele período, quando eu era interrogado, em 1972,
com as cenas do processo da Ação Penal 470".
De camisa vermelha, calça social marrom
e sapatênis escuros, Genoino recebeu a reportagem de Terra Magazine em
sua casa, no bairro do Butantã, zona oeste da capital paulista. Estava
bem-humorado.
Deputado federal por seis mandatos (até
2010), deixou o comando do PT em 2005, no início da crise do Mensalão, mas
afirma que é inocente e que lutará para defender sua história. "O que fiz
pelo PT foi legal, legítimo e necessário [...] Repetiria tudo de novo, mesmo
passando o que passei".
Leia abaixo a íntegra da entrevista.
Terra Magazine: Durante o julgamento do
Mensalão, o senhor foi condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) por
corrupção ativa e, nesta semana, a Corte definirá se o senhor será condenado
por formação de quadrilha. Esperava esse veredito?
José Genoino: Não sou corrupto e entendo que foi uma
condenação sem provas, baseada na tirania da hipótese pré-estabelecida, com
base em um raciocínio do domínio do fato, da falta de provas, contrariando a
presunção da inocência. Tudo isso contraria, a meu ver, uma visão democrática
do Código Penal. Não pratiquei corrupção, o que eu fiz foram reuniões para
defender o governo Lula. Como presidente do PT, cuidava das alianças políticas,
da unidade da bancada do partido, da relação com os movimentos sociais e ocupava
todo o meu tempo com a atividade política, legítima, democrática e
transparente.
Não houve compra de votos nem compra de
deputados. As votações principais do governo Lula foram decididas sempre com
muita luta. Recebi a notícia da condenação com a indignação do inocente.
Apresentei as provas e vou deixar tudo muito claro: os empréstimos que assinei
são atos jurídicos perfeitos. Assinei os empréstimos encaminhados pela
secretaria de finanças do PT, registrei no Tribunal Superior Eleitoral, e os empréstimos
foram renovados porque o PT estava em uma situação muito difícil. Quando deixei
a presidência do PT, o juiz de Minas Gerais cobrou judicialmente, inclusive,
com o bloqueio da minha conta, que só foi desbloqueada porque era conta salário
e, a partir de 2007, em uma negociação dirigida pelo então presidente Ricardo
Berzoini, os empréstimos foram negociados por quatro anos e pagos, tanto o
empréstimo do Banco Rural, como o do BMG. Sou um inocente.
O que o senhor pensou – ou fez – quando saiu
sua primeira condenação, dia 9 de outubro?
Estava acompanhando a sessão do STF na
minha casa, pela TV, com minha mulher e meus filhos Ronan e Miruna. Veio à
minha cabeça a mesma sensação de quando eu estava na auditoria militar da
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, sendo condenado a cinco anos de prisão, na
década de 1970. É uma sensação de… eu uso uma expressão que gosto muito, deste
livro, Memórias de um Revolucionário: "As noites cegas
são poderosas, terríveis, mas nós somos a sua paciência". Eu me senti
assim, indignado. Fiz uma carta aberta ao país, retirando-me do governo como
inocente.
A partir daquele dia, tomei uma
decisão. Durante sete anos, eu falei nos autos, não dei entrevista… aliás, a
única que dei foi para Terra Magazine,
em 2006. Falei só nos autos, acreditando que ia ser um julgamento técnico,
com base só em
provas. Naquele dia,
percebi que se tratava de uma condenação sem provas e resolvi fazer a crítica
política.
E com a sua família? Como foi a reação de sua
mulher e seus filhos após a condenação?
Estavam todos aqui. No dia seguinte,
fizemos uma conversa. Minha filha Mariana, que mora em Brasília, veio para São
Paulo. Miruna fez a carta dela e eu não li antes da divulgação. Nessa reunião,
eu disse que iria lutar de todas as formas para defender minha honra e minha
dignidade. Falei que não iria me curvar. Não tenho riquezas nem patrimônio, mas
vou para o risco do combate, dentro dos princípios democráticos. A democracia
que está aí não é produto de uma sentença. Aliás, ela foi regada com muita
guerra, luta, sangue, mortes, greves e barricadas. Não é produto de sentença e
dei minha contribuição para a conquista dessa democracia. Disse à minha família
que agora eu estaria em uma posição de militante livre e combatente e eles
aprovaram.
A condenação abalou o senhor? Abalou a sua
família?
Não. Minha mulher e meus filhos ficaram
indignados, assim como eu. Naquela noite, escrevi a carta aberta, que li no dia
seguinte durante a reunião do Diretório Nacional do PT. Mas não estava abalado.
Minha vida só tem sentido quando eu a coloco a serviço de causas. E hoje eu
tenho uma causa: defender minha inocência custe o que custar. Estou revigorado,
vivendo um momento parecido com o meu entusiasmo de 1968, da Guerrilha do
Araguaia, quando eu estava preso por cinco anos, quando eu disputava convenções
do PT, quando eu fazia campanhas vitoriosas e derrotadas aqui em
São Paulo … Estou com essa energia. Meu foco
é resistir e lutar com todos os meios democráticos.
E qual é o primeiro passo dessa luta?
A primeira coisa que tenho que fazer é
apresentar todos os documentos que estou preparando com o meu advogado, Luiz
Fernando Pacheco. São memoriais que vão discutir a parte final do julgamento e
serão apresentados como provas da minha inocência. Quem tinha que apresentar
provas de minha culpa seria a acusação. Vou falar politicamente. Estou de cabeça
erguida, com a consciência de um inocente e vou usar de todas as formas
jurídicas e politicas para provar minha inocência. Eu quero provas.
Sua defesa foi baseada no fato de que o senhor
foi acusado por aquilo que era, ou seja, presidente do PT, e não por aquilo
que fez. Essa foi a melhor linha a ser seguida?
Sim. E continuo nessa linha, porque eu
não pratiquei crime, não pratiquei ilícito. Eu era presidente do PT e fui
condenado pelo fato de ser presidente do PT. Isso é o que se chama, no direito
penal, responsabilidade objetiva, que é um conceito conservador, arcaico, que,
felizmente, a humanidade superou, mas que agora tem uma nova versão, o domínio
do fato. Assim, pode-se condenar sem provas concretas. O que fiz como
presidente do PT foi legal, legítimo e necessário. Não se pode criminalizar a
política, criminalizar os acordos e as alianças e é isso que se está fazendo.
Quando se criminaliza a política, abre-se a porta para o autoritarismo,
enfraquecendo o poder que emana do povo. Cumprirei as decisões impostas, mas
minha consciência irá bradar todos os dias contra isso.
Acredita que o julgamento do Mensalão é um
marco no Judiciário brasileiro?
Acho que temos que fazer um grande
debate sobre esse julgamento, primeiro porque ele está se baseando em teses que
precisam ser profundamente discutidas, como a do domínio do fato, que negam
provas, a presunção da inocência, a condenação com base em indícios… Isso tem
que ser profundamente discutido, porque pode representar um risco para um
Judiciário democrático, abrindo graves precedentes.
Sua tese de defesa argumenta que existiu um
esquema de caixa dois na campanha do PT e não a compra de votos de
parlamentares. A ministra Cármen Lúcia reagiu dizendo que "caixa dois é
crime" e que a confissão dessa prática com naturalidade na Corte era algo
"inédito" na carreira dela. Essa é sua versão dos fatos?
Em primeiro lugar, meu advogado não
falou em caixa dois. Ele afirmou, claramente, que minha função como presidente
do PT era exclusivamente política. Eu não cuidava nem tinha responsabilidade
quanto à administração do PT e quanto às finanças do partido. Não foi o meu,
mas outros advogados disseram que quando se trata de crime eleitoral (caixa
dois), tem que se julgar como crime eleitoral. Minha responsabilidade era
política. Entendo que essa injustiça não é só contra mim e que isso enfraquece
a Justiça no Brasil. Não podemos fazer de julgamentos um espetáculo midiático.
Não podemos aceitar essa espetacularização.
Um dia após sua condenação, quando leu a nota
durante reunião do Diretório Nacional do PT, o senhor se encontrou com o
ex-ministro José Dirceu. Como foi esse encontro?
Fui recebido de pé por todo o Diretório
Nacional do PT naquele dia. Todas as tendências gritavam meu nome. À tarde,
quando entrou o companheiro Zé Dirceu, aconteceu a mesma coisa com ele e nós
demos um forte abraço um no outro. E eu falei a ele a seguinte frase: "Zé
Dirceu, no dia 12 de outubro de 1968, quando nós fomos presos no Congresso de
Ibiúna, nós gritamos: 'A UNE somos nós'. Pois bem, o PT somos nós. Somos
companheiros de luta e nossa geração aprendeu que podemos ser encurralados, mas
não aceitamos nos curvar".
E o que José Dirceu respondeu?
Ele olhou bem pra mim e disse: "É
o nosso destino. Nosso destino é lutar".
E com o ex-presidente Lula? Como é sua relação
desde 2005?
O Lula, pra mim, é uma pessoa
excepcional do ponto de vista humano e político e eu aprendi a ter muita
confiança na capacidade política dele. E Lula costumava dizer, nos piores
momentos do seu governo: “Não vou deixar o país quebrar no meu colo”. Minha
relação com Lula é de muito respeito e confiança. Não fiz nada de errado, portanto,
o compromisso que tive com o Lula de presidir o PT foi correto e eu repetiria,
mesmo passando por tudo o que passei.
O ex-presidente Lula ligou para o senhor após
sua condenação?
Várias vezes. Sempre uma ligação
afetiva e muito forte, mas me reservo o direito de não dizer o que ele fala
comigo.
O senhor resolveu deixar seu cargo no governo,
de assessor especial do Ministério da Defesa. A presidente Dilma Rousseff foi
relutante à entrega do seu cargo?
Ela me ouviu e falou coisas bonitas,
mas não serei porta-voz dela.
Mas ela foi relutante?
Ela disse pra mim: "Como é que eu
assino a sua demissão, Genoino? Como?". E respondi: "Retiro-me do
governo com a consciência dos inocentes e vou ler uma carta no Diretório
Nacional do PT". Tenho uma relação de respeito e confio muito na coragem e
capacidade da companheira Dilma.
José Dirceu disse a amigos que se sente
aliviado com o fato de o PT ter sido o partido mais votado no primeiro turno
das eleições deste ano. Segundo ele, é como se o povo tivesse absolvido o
partido. O senhor também avalia dessa maneira o desempenho do partido nas urnas?
O governo do PT foi julgado em 2006,
quando o povo reelegeu o Lula, e em 2010, quando elegeu a Dilma presidente. As
vitórias do PT mostram que o povo é mais inteligente do que certos setores
pensam. O povo nos conhece, sabe onde a gente mora, o que a gente faz, o que a
gente fez.
Em 2010 o senhor não foi eleito deputado
federal. O povo não o absolveu?
Não foi isso. Em 2010, eu perdi por mil
votos. O erro foi o tipo de campanha que nós fizemos. A campanha estava difícil
porque fui muito criticado por setores da mídia… Tive apoio em muitas cidades,
o PT me apoiou muito, mas isso faz parte. Na democracia, a gente perde e ganha
e precisamos ficar felizes com isso.
Na década de 1970, o senhor foi preso por
cinco anos e torturado durante a Guerrilha do Araguaia. O senhor consegue
traçar algum paralelo daquele momento em relação a esse que está vivendo hoje?
O primeiro paralelo, lamentavelmente, e
eu nunca falei isso para ninguém, são os pesadelos. Eu tenho pesadelos. As
cicatrizes existem. Acredito no perdão, mas não no esquecimento, e é isso que
aparece nos meus pesadelos. Misturo cenas daquele período, quando eu era
interrogado, em 1972, com cenas do processo da Ação Penal 470. Há um mês, tive
um pesadelo grande, gritei pra caramba, minha mulher ficou preocupada, porque
eu fiquei em pé, estrebuchei na cama… As cicatrizes da vida deixam a gente mais
preparado para as pancadas e estou com mais cicatrizes agora, elas não somem da
cabeça nem do corpo. Mas não tenho ódio, ressentimento ou espírito de vingança.
Eu tenho confiança no ser humano.
O senhor tem medo de ser preso?
Penso da seguinte maneira: a palavra
medo não existe como impedimento para a minha luta. Entre a servidão e a
humilhação, eu prefiro o risco do combate.
Se o senhor pudesse fazer de novo, corrigindo,
alguma coisa na sua vida, o que seria?
Tudo o que fiz na minha vida foi com
paixão e consciência. Sempre com dedicação e por causas e, portanto, minha
trajetória me orgulha. Um dos objetivos da minha luta é defender minha
história, porque é ela que me dignifica.
Então o senhor não corrigiria nada?
Minha trajetória me orgulha e tenho
recebido muita solidariedade, tanto do PT, como de pessoas da oposição, de
militares que trabalharam comigo no Ministério da Defesa, mas não vou citar
nomes. É claro que a vida vai te ensinando, você não pode ser dono da verdade,
você tem que estar aberto para mudar o mundo. O desafio é mudar o mundo mudado
e quem quer mudar o mundo tem que aceitar ser mudado. O PT me mudou e eu mudei
o PT.
O senhor considera que o PT errou?
O PT é vitorioso porque o objetivo de um
partido é conquistar o poder e realizar seu programa e isso o PT fez. Agora, é
claro que o PT tem que fazer uma avaliação de toda sua trajetória, olhando para
o futuro. Não podemos ter medo do debate. O PT precisa aceitar a crítica e
discutir as escolhas de maneira franca e aberta. O PT aprendeu uma lição:
dividido, perde; e sem aliança, não ganha. Minha geração aprendeu no coletivo:
ou ganham todos juntos ou se ferram todos juntos. Essa foi a lição que eu
aprendi.
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