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A INSERÇÃO DO (A) ASSISTENTE SOCIAL NA POLÍTICA DE
ASSISTÊNCIA SOCIAL: notas para uma reflexão introdutória
Resumo:
O presente ensaio objetiva discutir
a atual configuração da política de Assistência Social, bem como a inserção do
(a) assistente social enquanto profissional assalariado. Para tanto demonstramos
a centralidade dos Programas de Transferência de Renda Condicionados no âmbito
desta política e a patente dificuldade de estruturação do Sistema Único da
Assistência Social. Tal configuração tem
implicações diretas na inserção do (a) assistente social na Assistência Social.
Palvras-chave:
Assistente Social; Assistência Social; trabalho.
Abstract:
This essay aims to discuss the
current configuration of the politics of social assistance, as well as the social
work insertion as an employed professional. For this purpose, we demonstrate
the centrality of the money transfering programs which are conditioned in this
politics core and the evident difficulty of structuring of social assistance.
Such configuration has direct implications in the insertion of the social worker
in social assistance.
Keywords: social assistance; social worker;
work
1. Assistência
Social na cena contemporânea
O mecanismo assistencial marcou
profundamente a configuração da política de Assistência Social brasileira. O
espectro do clientelismo esteve consoante com a “função” eleitoreira que a
moldou em sua origem e durante longo espaço de tempo. A Lei Orgânica da
Assistência Social (LOAS),aprovada em 1993, a Política Nacional de Assistência
Social (PNAS) em 2004 e a Norma Operacional Básica do Sistema Único da
Assistência Social (NOB/SUAS) em 2005 foram marcos importantes da organização
político-intitucional da área.
O SUAS, enquanto estrutura de gestão e
execução da política de Assistência Social,
[...] está
voltado à articulação em todo o território nacional das responsabilidades,
vínculos e hierarquia, do sistema de serviços, benefícios e ações de
assistência social, de caráter permanente ou eventual, executados e providos
por pessoas jurídicas de direito público sob critério de universalidade e de
ação em rede hierarquizada e em articulação com iniciativas da sociedade civil
(COUTO, YAZBEK e RAICHELIS, 2010, p. 38).
De fato a PNAS, o SUAS configuram-se como
balizas fundamentais no sentido de conferir legitimidade e institucionalidade à
Assistência Social neste país. Resultam de lutas intensas que tensionam e
dinamizam o formato e o lugar que ela ocupa no campo da proteção social
brasileira.
Entretanto, é necessário considerar algumas
determinações macroscópicas que vêm mediando a forma pela qual esses movimentos
lutam e o governo direciona.
O Governo Lula, contrariando as profundas
expectativas da classe trabalhadora, demonstrou certa continuidade em relação
ao governo FHC. Com projetos alternativos Lula acabou por sintonizar-se com o
receituário neoliberal (ANTUNES, 2005).
Ainda que tenha sido sob seu governo que se
aprova a PNAS implementa-se o SUAS e consolida-se avanços importantes na área,
não se pode afirmar na mesma medida que o caráter focalista e seletivo tenham
sidos excluídos do formato organizacional da política de Assistência Social.
Assumindo as tendências de corte neoliberal
essa política tem, cada vez mais, se consolidado sob o prisma do emergencial,
do assistencial. Ao invés da universalidade, cada vez mais a seletividade.
A seletividade foi se sobrepondo à
universalidade com o advento do neoliberalismo, e, paulatinamente esse conceito
de seletividade atrelou-se a concepção de focalização na pobreza, amplamente
difundidos pelo Banco Mundial.
Esses conceitos foram e são centrais na
formatação de Programas de Transferência de Renda Condicionados (PTC), os quais
a partir do final dos anos 1990 e início dos anos 2000 passam assumir
centralidade na política de proteção social aos “mais vulnerabilizados”.
No Brasil, é sob o governo Lula em 2003,
que há a unificação de diversos PTC no Programa Bolsa Família, cuja
centralidade no âmbito do Ministério do Desenvolvimento Social e combate a Fome
é explícita.
Apontamos então que: a Assistência Social
assume centralidade na atual conjuntura da Seguridade Social brasileira,
entretanto, o corte focalista e seletivo, que caracterizam, sobretudo, os PTC,
- programas para os quais se canalizam maior volume de recursos no âmbito da
Assistência Social -, tem importantes implicações.
Essa realidade caracteriza-se pela complexa
relação entre o Programa Bolsa Família e o SUAS. Por um lado, investem-se
amplos recursos no primeiro e por outro insuficientes no segundo.
Sposati (2006) explicita que a implantação
do SUAS e o caráter massivo do Bolsa Família culminaram em dois modos de
financiamento federal: fundo a fundo para os serviços sócio-assistenciais; e o
benefício de transferência direta para o cidadão.
O SUAS por sua vez, sua infra-estrutura e
recursos humanos, padece ainda de sucateamento e precarização, com implicações
diretas sobre as condições de trabalho dos profissionais que atuam na área,
inclusive os (as) assistentes sociais.
Há uma significativa desproporcionalidade
entre os recursos investidos no PTC e os investidos em todos os programas e
serviços do SUAS. Uma nota técnica do MDS acerca da evolução do financiamento
da Assistência Social no âmbito da União elucida nossa argumentação.
Vejamos. Os dados indicam um incremento
real significativo, partindo de R$ 11,2 bilhões em 2002 para R$ 35,8 bilhões em
2009 (MDS, 2010). Quando se analisa apenas os dados relativos à programas,
projetos e serviços sem contabilizar os programas de transferência de renda
temos um achado significativo. Os dados indicam um aumento de R$ 2 bilhões em
2004 para R$ 2,7 bilhões em 2009, configurando aumento de 35% dos recursos no
exercício de 2009 em relação a 2004.
Entretanto, se pegarmos os valores
relativos ao PBF veremos explicitamente aquela discrepância que ressaltávamos.
No ano de 2009 foi investido nesse programa especificamente, o montante de R$
12,7 bilhões no atendimento a 12.370.915 famílias, o que representou um aumento
real de 91,6% no volume de recursos aplicados e de 88,1% no número de famílias
atendidas em relação ao ano de 2004 (MDS, 2010).
Ou seja, enquanto que para todo o complexo
que constitui o SUAS teve-se um aumento de 35% do ano de 2004 à 2009 na
alocação de recursos, sendo que para o PBF esse valor, considerando o mesmo
intervalo de tempo (2004 à 2009) foi de 91,6%.
Poderíamos considerar que também os Estados
e municípios, enquanto entes federados também entram numa parcela de
financiamento do SUAS, entretanto, considerando
que maior parte de nossos municípios são pobres, podemos inferir que as
dificuldades de estruturação do SUAS são evidentes.
Estudo realizado em 2009, pelos Programas
de Pós Graduação das PUCs de São Paulo e do Rio Grande do Sul e da Universidade
Federal do Maranhão sobre a realidade da Política Nacional de Assistência
Social nos municípios brasileiros, também nos trazem elementos
elucidativos. A pesquisa demonstra a
prevalência de financiamento dos municípios e parcos recursos por parte dos
Estados (SILVA e SILVA, ARAÚJO e LIMA, 2010).
Diante dessas rápidas considerações podemos
afirmar que a centralidade dos PTC no seio da Assistência Social brasileira tem
em paralelo um SUAS que padece da insuficiência de recursos que permita
constituir-se enquanto uma rede de proteção social básica e especial capaz de
dá conta das demandas que lhe são postas.
Outra questão relevante diz respeito a
política de Recursos Humanos que vem sendo consolidada na área. A Norma
Operacional de Recursos Humanos do SUAS (NOB/RH – SUAS), aprovada em 2007, tem
como objetivo estabelecer parâmetros de constituição para as equipes
profissionais no SUAS.
Não obstante, tem-se observado a
inobservância das diretrizes ali tratadas. A não realização de concurso
público, bem como as contratações temporárias, o número limitado de profissionais
por equipamento social, os baixos salários, as condições estruturais de
trabalho, a existência de profissionais com mais de um vínculo, etc.
Essa configuração da política em questão
rebate diretamente nas condições de trabalho dos (as) assistentes sociais que
trabalham na área.
2. O SUAS e a inserção do (a) assistente social como
profissional assalariado
Embora sendo regulamentada como profissão
liberal, o Serviço Social tem se inserido, sócio-ocupacionalmente, de modo majoritário,
nas esferas Estatais. Face a expansão de espaços de execução dos diversos
programas, projetos e serviços da Assistência Social, essa política tem
requerido número cada vez maior de assistentes sociais.
Antes vejamos, as determinações impostas ao
assistente social pela sua condição de trabalhador (a) assalariado (a), haja visto
que: “[...] o exercício da profissão é tensionado pela compra e venda da força
de trabalho especializada do assistente social, enquanto trabalhador
assalariado, determinante fundamental na autonomia do profissional”. (IAMAMOTO,
2009a, p. 31).
Tem-se, pois, que, a prática do assistente
social será diretamente condicionada pelas demandas particulares que cada
instituição impõe. Mais do que isso, seus limites de alcance serão
fundamentalmente limitadas pela sua condição de trabalhador. Isto significa
admitir uma relação contratual, delimitada por parâmetros racionais, que
estabelecem regras a serem cumpridas, delimitando desde às demandas até a
jornada de trabalho. Nos mais variados espaços sócio-ocupacionais os
empregadores “[...] estabelecem as condições em que esse trabalho se realiza” (Idem).
Enquanto
profissional que demanda determinados meios e instrumentos de trabalho, visto
não possuí-los, o assistente social apenas pode concretizar seu trabalho num
determinado contexto institucional. É o empregador quem dispõe desses meios e
instrumentos, isto é, é ele que organiza o processo de trabalho do assistente
social, conforme nos aponta Iamamoto, (2008).
Considerando que o aparato institucional de
trabalho do profissional de Serviço Social tem forte prevalência no âmbito das
políticas sociais, e reconhecendo as profundas transformações de que foram
objeto desde a empreitada neoliberal, ligeiramente se deduz que as condições de
trabalho são afetadas.
No
cenário da Assistência Social estas mudanças vinculadas as tendências
particulares da política criam um ambiente complexo em que a tensão entre o
projeto profissional e o projeto institucional é uma constante.
Nos municípios brasileiros, levando em
consideração os profissionais de nível superior, os (as) assistentes sociais
são maioria no âmbito da PNAS, (22,3%), enquanto que psicólogos são 11% e
pedagogos 5,2% (SILVA e SILVA, ARAÙJO e LIMA, 2010).
A vinculação dos (as) assistentes sociais
com a política de Assistência Social é histórica, cujas aproximações se deram
de formas diferenciadas nos diversos contextos sociais e diferentes momentos
profissionais.
Desse modo, a expansão do SUAS, com a
implementação de equipamentos sociais como os Centros de Referência da
Assistência Social (CRAS) e os Centros de Referência Especializados da
Assistência Social (CREAS), tem possibilitado a inserção de número
significativo de assistentes sociais, entretanto, dadas aquelas circunstâncias
que apresentávamos anteriormente (centralidade dos PTC com o baixo investimento
na estruturação do SUAS) e as transformações processadas na esfera do trabalho,
tal inserção vem se dando através de relações cada vez mais precarizadas.
A
implantação do SUAS exige novas formas de regulação e gestão do trabalho e,
certamente, a ampliação do número de trabalhadores com estabilidade funcional é
condição essencial, ao lado de processos continuados de formação e
qualificação, a partir do ingresso via concurso público, definição de carreiras
e de processos de avaliação e progressão, caracterização de perfis das equipes
e dos serviços, além da remuneração compatível e segurança no trabalho (COUTO,
YAZBEK e RAICHELIS 2010, p. 58)
Assim, fica
explícito quão grandiosa e desafiante para o SUAS é a necessidade de construir
parâmetros e possibilidades reais de constituir, consolidar e fortalecer
equipes profissionais de referência já que:
Por ser
uma área de prestação de serviços cuja mediação principal é o próprio
profissional (Sposati, 2006), o trabalho da assistência social está
estrategicamente apoiado no conhecimento e na formação teórica, técnica e
política do seu quadro de pessoal, e nas condições institucionais de que dispõe
para efetivar sua intervenção (RAICHELIS, 2010, p. 761).
É preciso
considerar, portanto, que a inserção profissional dos (as) assistentes sociais
no âmbito do SUAS, ainda que se constitua num saldo significativo para a
profissão, precisa ser objeto de debate e luta.
Considerações
Finais
As reflexões aqui brevemente desenvolvidas
permitem compreender que a assistência social assume centralidade na Seguridade
Social brasileira, entretanto há fortes tendências à focalização e
seletividade. O SUAS configura-se como
marco fundamental na regulamentação da área, entretanto padece de notórias
dificuldades já que há uma profunda discrepância entre recursos direcionados
aos Programas de Transferência de Renda e aqueles investidos no SUAS.
Os (as) assistentes sociais são cada vez
mais requisitados a atuar nesta área, haja visto a expansão dos diversos
equipamentos sociais que compõe a estrutura do SUAS. Entretanto, essa inserção
é balizada pelas determinações mais amplas da sociedade, sobretudo pela
configuração assumida pelas políticas sociais e pelas transformações no mundo
do trabalho, já que a inserção do (a) profissional de Serviço Social se dá pelo
estatuto assalariado.
Referências
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