Recomendo a leitura deste artigo publicado na quinta-feira
(16) no jornal Folha de S.Paulo
É irreal a propaganda para evitar prescrição do mensalão
José Luis Oliveira Lima e Rodrigo Dall'Acqua
Platão, no seu mito da caverna, descreve uma situação muito
próxima ao modo que uma parcela da nossa sociedade enxerga a ação penal número
470 do Supremo Tribunal Federal, conhecida como processo do mensalão.
Na alegoria criada pelo filósofo, um grupo de indivíduos,
dentro de uma caverna, olhava exclusivamente as imagens das sombras que,
trazidas pela luz do mundo exterior, eram refletidas, trêmulas, nas paredes de
pedra. Todos pressupunham que aqueles espectros traduziam a realidade e ninguém
olhava para fora da caverna, onde a vida se desenvolvia de fato.
Com a proximidade do julgamento, as sombras do mensalão
estão assumindo ares de realidade, enquanto o processo, as provas, as nossas
leis e os princípios constitucionais desaparecem de vista.
De início, nada mais irreal do que a tão propagada urgência
na decisão para se evitar a prescrição. A pressa é tanta que até mesmo a
manifestação de um ministro no sentido de que pretende ler o caso é vista como
algo capaz de caducar toda a acusação.
Isso não faz sentido algum, já que basta abrir o Código
Penal para ver que a próxima data de prescrição ocorrerá somente no ano de
2015.
Os ministros do STF também são alvos de visões distorcidas.
Desde o início do caso, antes da produção das provas, foram levianamente
rotulados como partidários da acusação ou da defesa.
Após essa absurda classificação, campanhas foram iniciadas
com o fim de se evitar a aposentadoria dos julgadores tachados como
pró-condenação. Nada pode ser mais ofensivo e desrespeitoso com a trajetória
dos atuais ministros, que, sem exceção, não cometem pré-julgamentos. Ao
contrário: eles decidem com base nas provas, sempre respeitando a presunção de
inocência e a ampla defesa.
Para quem quiser comprovar essa grata realidade, basta ligar
a TV ou acessar a internet. Os julgamentos são transmitidos ao vivo e as
decisões são disponibilizadas na íntegra no site do tribunal.
Mas o status máximo de mito do processo do mensalão veio com
as recentes declarações de alguns destacados magistrados de segunda instância,
especulando que a ampla divulgação pela mídia das investigações do Conselho
Nacional de Justiça têm como causa a iminência do julgamento.
Sem um único indício ou argumento lógico, especulou-se
publicamente que as divergências internas do Poder Judiciário poderiam ser
geradas por interessados em pressionar o STF na decisão de sua ação penal mais
famosa. Parece que tudo pode ser livremente atribuído ao processo do mensalão,
com a mesma tranquilidade com que se dizia, diante de um nó em crina de cavalo,
que "foi obra do Saci".
Um mito é sempre superdimensionado. Valendo a regra, dizem
que a ação do mensalão irá nos brindar com o julgamento da "era
Lula". Isso pode soar grandioso, mas não é verdade, pois o ex-presidente
já foi julgado politicamente nas eleições de 2006 e 2010. E, principalmente,
porque o objeto do processo são os fatos narrados na denúncia e as provas
produzidas com as garantias próprias de um Estado democrático de Direito.
Enquanto o mito do mensalão é interpretado em sombras cada
vez mais desencontradas, o processo judicial que representa a realidade dos
fatos é ignorado.
Aqueles que bradam pela condenação querem distância das
provas estampadas na ação penal, que sempre foi pública e está digitalizada.
Sem deturpações, é fundamental para a democracia brasileira que o debate sobre
o julgamento da ação penal número 470 seja feito com responsabilidade, para que
a nossa sociedade se torne cada dia mais preparada para enxergar a justiça.
José Luis Oliveira Lima é Rodrigo Dall'Acqua são
advogados.